Thursday, April 20, 2006

Blake, o Tigre e o Cordeiro

Tentando encontrar algum tópico interessante para minha primeira contribuição ao blog, lembrei de uma conversa sobre William Blake que eu e um amigo tivemos essa semana. Já leram The Lamb? Se não, cliquem aqui. Já leram The Tyger? Se não, vejam aqui, e se precisam de uma tradução do segundo, nessa página tem duas- não muito boas, certo, mas isso é de se esperar quando lidando com traduções.

Tendo aceito que os dois poemas formam um par, um contrastando o outro, a pergunta me vem: qual a idéia que Blake tinha em relação a Deus e o Bem se o poema retratando o ícone da inocência, o símbolo bíblico de Cristo, é tão enjoativo em sua doçura infantil, tão repetitivo, e o poema com alusões a Satanás, o poema com a linguagem mais forte e profunda- o poema superior- trata do amoral e feroz tigre?

Notem a linguagem para descrever os dois. The Lamb abunda em termos pastorais e emotivos- o Criador o alimenta, dá-lhe uma "roupagem de deleite", sua macia lã, a voz macia que traz regozijo aos vales. Seu criador é descrito como meigo e humilde, o Cristo tornado criança. The Tyger, por outro lado, traz em cada estrofe o fedor da oficina e da fábrica- o tigre é criado com fogo e martelos, correntes e fornos e bigornas, forjado de materiais selvagens por um criador cujas características são três vezes descritas como dread, o equivalente em inglês a temível ou terrível.

O Criador terrível. A referência a Prometeu (e, poderiamos presumir, Satanás) na segunda estrofe como analogia da natureza daquele que criou o Tigre retrata este Criador como audacioso e viril, não como o Cristo humilde e meigo, a criança cuja inocência é refletida no cordeiro. Mas a quinta estrofe indica (com um sussurro de descrença e terror) que o Tigre e o Cordeiro vem do mesmo criador- e que esse Criador seria o responsável por outro evento que coloca em dúvida sua suposta bondade como criador do cordeiro.

When the stars threw down their spears and watered heaven with their tears- a revolta e queda dos anjos, a rebelião de Lúcifer. Quando Blake sugere que o Criador sorriu ao ver "seu trabalho"- que o Criador (o mesmo que criou o inocente cordeiro) teria causado, com alegria, a queda dos anjos e o princípio do mal- o que isso nos diz sobre sua teologia? Se Cristo é o cordeiro, seria Lúcifer o Tigre? E se o cordeiro é descrito como fraco e passivo, e o Tigre como indomável, feroz e ardente- tenho que perguntar de novo- o que isso revela sobre o posicionamento de Blake em relação ao bem, a ética, e a Deus?

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

passei aqui para prestigiar vcs. recomendação de Claire! abraços, Aline

5:12 AM  
Blogger Unknown said...

Daí a força do argumento do Sto. Lewis em Mero Cristianismo- que o mal não é um lado oposto ao bem, mas uma corrupção, um derivado fajuto do bem.

E além do mais, existe outro símbolo para o Bem que é mais antigo que o carneiro, e mais poderoso que o tigre- o Leão. Se for pra apresentar o ícone maior da natureza amoral no tigre, porque não representar o bem (como a Bíblia o faz) na figura do Leão de Judá?

3:23 PM  
Blogger Igor Taam said...

Alto nível, hein? E como leitor de Blake há sete anos e admirador de suas gravuras, adorei!

Também lembrei do Sto. Agostinho e os maniqueus em Confissões, mas a Claire já disse tudo.

6:46 AM  

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