Wednesday, September 06, 2006

Lampejos do Farol: Bergson, Maia e o "Descobridor dos Sete Mares"

Considerada por muitos a magnum opus daquela grande voz da filosofia brasileira, Sebastião Rodrigues Maia, esta canção simples, porém tocante, narra a trajetória mental de um homem em busca de conhecimento verdadeiro, uma verdadeira odisséia intelectual guiada pela "luz azul" da revelação intuída. Aqui encontramos a mão do grande e injustiçado mestre Henri Bergson direcionando as rimas de seu discípulo "Tim", tal como a força do elán vital nos direciona rumo à novos degraus de consciência.

Uma luz azul me guia
Com a firmeza e os lampejos
Do farol.

A verdade intuída vem diretamente ao "descobridor dos sete mares" assim como o golpe iluminador do farol revela imediatamente a costa ao navegador; à força que guia o viajor se dá o nome de "luz azul"; a luz sendo imaterial- uma manifestação de energia que transcende as barreiras do universo meramente físico- e a cor azul, como todos sabem, sempre foi símbolo dos céus e da busca pela verdade. A luz vem em "lampejos", mostrando que no estágio que agora estamos nada podemos obter da intuição senão breves vislumbres, pequenas iluminações momentâneas; mas é de suma importância notar que a propriedade primária da luz é "firmeza"; apenas o conhecimento intuído tem o peso da realidade, tem verdadeira firmeza; a luz firme oferece ao viajante uma percepção mais profunda da realidade que qualquer uma oferecida por mera análise de percepções sensoriais.

E os recifes lá de cima
Me avisam os perigos de chegar

Os recifes- brutais representantes da mera percepção daquilo que os sensos tem como físico e concreto- tentam dissuadir o explorador de prosseguir em sua odisséia. A luz ilumina; os recifes "avisam os perigos de chegar". O fato deles virem "lá de cima" é incriminatório à religião institucionalizada, que embora pregue a irrealidade do mundo também não desiste de sua busca pela verdade através do raciocínio ao invés de se entregar completamente ao êxtase dionisíaco do misticismo que apreende diretamente da natureza, diretamente do elán vital, as propriedades reais do universo.

Angra dos Reis e Ipanema,
Iracema, Itamaracá,
Porto Seguro, São Vicente,
Braços abertos sempre a esperar

Sempre o insuperável poeta, Maia representa os objetivos que a humanidade busca- transcendência, auto-realização, conhecimento da própria significância, e finalmente o sublime golpe de vista através do qual o homem intui a essência do elán vital- como praias, como os majestosos litorais de seu país nativo. Estes objetivos finais de cada homem e mulher aguardam com "braços abertos sempre a esperar"; nada devemos temer- desde que o espírito tenha coragem, a transcendência aguarda cada um, a vontade manifesta do universo será cumprida em seu devido tempo.

Pois bem cheguei,
Quero ficar bem à vontade,
Na verdade eu sou assim.
Descobridor dos sete mares,
Navegar eu quero.

A canção atinge seu primeiro clímax, e um coro se junta à voz de Maia (como se representando as vozes de toda a humanidade se juntando a ele em celebração) quando o viajor chega ao seu destino final e finalmente se encontra "bem à vontade", tendo afinal descoberto a essência de seu próprio ser e, se reconhecendo verdadeiramente pela primeira vez, podendo dizer (com certeza e êxtase "na verdade eu sou assim". Porém, o "Descobridor dos sete mares" ainda sente que há algo ainda a ser descoberto, um novo mar, por assim dizer, que pode ainda ser navegado. A sua vontade de navegar, mesmo tendo acabado de chegar, revela o enigma do absoluto- uma vez tendo atingido o patamar de consciência que ele achava o mais elevado e final, o viajante descobre que ainda existe mais mar para ser navegado.

Uma lua me ilumina
Com a clareza e os brilhos do cristal
Transando as cores desta vida
Vou colorindo a alegria de chegar

O descobridor, tendo atingido um patamar mais elevado, intui mais claramente a realidade do que conseguia no começo. A pálida luz azul agora se torna para ele algo sólido e inescapável como uma lua- o farol que antes iluminava poucos instantes, provendo meros "lampejos", agora cobre todo o mundo do viajor como o luar domina a noite. A firmeza da revelação se consolida, se torna bela e concreta como um cristal, "transando as cores desta vida", "colorindo a alegria de chegar". A revelação intuída agora influencia completamente a trajetória do descobridor, tocando toda fibra, todo centímetro, toda "cor" de seu universo, e com essa promessa colorida acalentando no coração do intrépido explorador uma esperança de chegar num novo patamar, num novo nível de consciência, de conhecimento- quiçá, de humanidade!

Boa Viagem e Ubatuba
Grumari, Mengo e Guarujá
Praia Vermelha, Ilha Bela
Braços abertos sempre a esperar

E são esses novos níveis, novas etapas, novos mundos que aguardam, "braços abertos sempre a esperar" o descobridor dos sete mares. A repetição do coro e dos primeiros dois versos após este ponto sugere algo cíclico na natureza do processo. Quem sabe a humanidade nunca chegue a uma consumação completa de seu potencial, mas viva sempre num estado de eterno retorno, de evolução, crescimento, repetição, o elán vital movendo nosso destino não numa linha reta mas num círculo. Um glorioso círculo, encontrando novamente os mesmos tesouros, as mesmas praias, uma aventura perpétua para o "descobridor dos sete mares", descobrindo a si mesmo, e ao universo.